Quem ganha com isto da centralização de direitos? O futebol português não será

Em Fevereiro de 2021 foi aprovada em Conselho de Ministros a centralização dos direitos televisivos e multimédia dos jogos de futebol das I e II ligas, que deve ser implementada até à época de 2028/29.

Em termos simples, os clubes portugueses deixam de poder negociar individualmente os seus direitos de transmissão televisiva e uma entidade a designar pela Liga e a Federação negociará por todos.

O preâmbulo do decreto-lei que dá as razões para a implementação desta medida é um verdadeiro hino à ignorância sobre o futebol português, ao desconhecimento da realidade sociodemográfica portuguesa e a sua relação com o futebol e um deslumbramento pueril sobre a capacidade de exportação do nosso campeonato.

Informam-se os leitores do dito documento sobre o desequilíbrio entre os que mais e menos recebem nas respetivas ligas para que se chegue à conclusão – falaciosa – de que em Portugal esse fosso é muito maior do que na Itália, França, Espanha, Alemanha ou Inglaterra.

Não me parece que quem redigiu o documento conheça o futebol português e ainda menos o país.

Em nenhum desses países três clubes têm, seguramente, mais de 95% dos adeptos; todos esses países têm clubes que representam regiões grandes e ricas e com clubes bem implementados na região.

A título de exemplo vejamos os quintos classificados de Portugal e desses países: Gil Vicente, Lázio de Roma, Strasbourg, Betis, Freiburg e Manchester United.

Lamento informar que a zona de Barcelos, por muito que possa crescer, não vai aproximar o seu PIB da de Estrasburgo ou de Freiburg nos próximos anos. Melhor, esse milagre aconteceria mais depressa do que a esmagadoríssima maioria das pessoas dessa área deixar de ser adepta de um dos três grandes para ter como clube principal o, claro está, bom clube que é o Gil Vicente.

Resumindo, tentar-se-á artificialmente fazer nascer uma realidade que nem a mais sofisticada engenharia social conseguiria atingir.

Analisar o futebol e esquecer a realidade sociológica e demográfica dos países não é um erro, é de uma ignorância sem nome.
Uma pequena lembrança: o campeonato desigual, o campeonato sem competitividade, o futebol onde é fundamental tirar dinheiro aos clubes que têm provavelmente mais de 95% dos adeptos é o sexto melhor da Europa. É assim mesmo, não há qualquer engano. Este péssimo campeonato é o sexto no ranking europeu de clubes. Acima de países pobres e com mercados minúsculos como a Holanda, a Bélgica, a Turquia ou a Rússia – grande parte destes com direitos televisivos centralizados.
Claro que com a centralização e com a enorme competitividade que vai gerar passará à frente do campeonato francês, o italiano ou o alemão (campeonatos que são muitíssimo competitivos, tão competitivos que ganham sempre os mesmos).
Mas isto é minimamente sério? Alguém acredita nisto?

Claro, há uma razão mais direta para o nosso campeonato ser o sexto melhor da Europa: os clubes que sistematicamente vão às competições europeias ganham pontos que permitem estarmos tão bem classificados.

Como não me parece que nem o mais inconsciente otimista pense que os três grandes clubes vão ganhar mais dinheiro com a centralização ao mesmo tempo que os outros também recebem mais, torna-se evidente que as receitas virão de tirar àqueles para dar a estes. Com a diminuição de receitas que FC Porto, Benfica e Sporting terão, a sua capacidade de obter bons resultados baixa significativamente. Pois, não é com belos propósitos que se paga a bons jogadores, se tem escolas de formação ou se faz prospeção.

Essa diminuição de competitividade dos nossos principais clubes trará menos pontos e rapidamente deixaremos de ter lugares diretos na Liga dos Campeões, mais dificuldades existirão nas pré-eliminatórias, menos clubes médios terão acesso à Liga Europa ou Conference.

Com isto não é só a nossa descida no ranking que está em causa: a própria imagem do nosso campeonato desce (quer se queira, quer não, são os feitos dos clubes no espaço europeu que fazem crescer ou diminuir a imagem do nosso futebol).
Com menos dinheiro para os grandes clubes é provável que a competitividade do nosso campeonato cresça – mais pontos perderão os grandes -, mas a qualidade descerá em flecha: será um nivelamento feito por baixo.

Isto casa com mais uma espécie de pensamento mágico que anda pela direção da Liga e anterior Governo: um campeonato mais equilibrado seria mais vendável. A pergunta é evidente: a quem?

Se neste momento não se consegue, pelos vistos, vender o sexto melhor campeonato, porque se haveria de conseguir vender o sétimo, oitavo ou por este caminho ainda pior? Presumo que se pense que ao ver o seu clube ganhar mais jogos, os adeptos do Moreirense por esse mundo fora correriam a uma qualquer operadora de cabo para comprar os direitos do nessa altura campeonato mais competitivo?

Mas não é só este óbvio ululante desportivo de alucinação coletiva, a realidade é a que é: Portugal é um país pequeno e pobre, não tem mercados externos como a Inglaterra, Espanha ou França. Podemos vender as vitórias internacionais do Benfica, do FC Porto o do Sporting, mas, lá está, até essas ficarão em causa com este modelo.

Em síntese, os clubes mais pequenos apenas ganharão mais uns jogos, mas estarão num campeonato mais pobre que não lhes trará mais prestígio ou adeptos; os grandes perderão força internacional, o que os fará ainda ter menos receitas das provas internacionais (sobretudo Liga dos Campeões) e diminuirá a qualidade do nosso futebol; a capacidade de venda do nosso campeonato, que já era muito reduzida, tornar-se-á em nula.

Querem melhorar a qualidade do futebol e a competitividade? Baixem os impostos aos clubes de futebol e aos jogadores que pagam taxas que em nenhum outro país da Europa se paga. Arranjem linhas de crédito para infraestruturas e promovam a cooperação com os países de língua oficial portuguesa. Criem escolas e condições de formação aos profissionais da área. Aumentem o tempo útil de jogo. Deixem os clubes e os jogadores entenderem-se sem a excessiva intervenção de terceiros. Ofereçam mais condições e mais formação aos árbitros.

Quem ganha com isto da centralização de direitos? Francamente não sei, mas sei que em benefício do futebol português não será.»

Opinião de Pedro Marques Lopes.