Aos adeptos de futebol pouco ou nada interessam as contas. Interessa se ganham, se perdem, se jogam bem ou mal. A maioria é leiga em matéria económica e nem sequer tem qualquer interesse nisso. Desde que a bola entre, tudo vai bem. Se não entra, as contas continuam a ser a última coisa para a qual olham. O problema maior é que sem contas bem geridas, a bola deixa de entrar, a equipa deixa de jogar, e corre riscos maiores…
Vem esta introdução a propósito da apresentação de contas da SAD do Sporting Clube de Portugal. E merece uma segunda introdução, a ignorância dos jornalistas desportivos em ler os resultados que lhes são apresentados, e incapacidade em fazerem as questões que realmente importam, ao invés de tomarem como bons os destaque que o clube lhe apresenta. Isto é válido para o Sporting, como qualquer outro clube. Até jornalistas económicos chegam a ignorar os pontos negativos de um R&C se forem bem mascarados por uma qualquer empresa de topo de qualquer sector da indústria portuguesa… e falo por experiência própria.
Bom, foi esta quinta-feira que Bruno de Carvalho e a sua direção apresentaram aos jornalistas os números do último exercício, algo que costuma só acontecer no início de outubro. E o maior elogio que pode ser feito a estas contas é que quem as apresentou tem uma capacidade na área da cosmética acima da média. Essencialmente porque quem recebe a informação não percebe nada do que está a ouvir nem a grande maioria de quem lê as notícias que são produzidas por estes.
Destacou Bruno de Carvalho que as vendas foram as melhores de sempre (o que é verdade mas omitindo que cerca de 30% do seu valor total não entrou nos cofres do clube, o que contrasta com a sua afirmação de que não aceita intermediários nem paga comissões), que as receitas de TV dobraram (esquecendo-se de referir que antecipou 30 milhões de um contrato que nem sequer entrou em vigor, hipotecando já 60 milhões do contrato celebrado há um ano, o chamado Factoring). E a obra de arte acaba por ser contabilizar receitas da participação na Champions que foram todas penhoradas pois dizem respeito à dívida à Doyen (17M€) pelo que o dinheiro em causa nunca entrará nas contas do clube ou deviam aparecer noutra rubrica que não a das receitas.
A esta contabilidade criativa, pasme-se, considera o líder do clube que inverteram a tendência do seu antecessor, de má gestão, quando o passivo do Sporting aumentou mais de 60 milhões num ano só! Foi assim também com o FC Porto no último ano e viu-se onde terminou essa gestão com a intervenção da UEFA. E desde que Bruno de Carvalho está à frente dos destinos do clube já aumentou o passivo em 100 milhões.
Os resultados anuais, sem transferências, dão um prejuízo de 17 milhões, muito graças a um aumento exponencial dos custos com salários (15M€), bem demonstrativo do forte investimento no plantel, que supera já os 60M€ com custos salariais. E no próximo ano estarão nestas contas Coentrão, Matthieu e Doumbia, que juntos superam os 10M€/ano de massa salarial o que atirará estes custos para valores superiores aos 75M€.
Este investimento também é visível nas aquisições para a presente época, com Bruno Fernandes, Doumbia, Battaglia, Mattheus Oliveira e Piccini a ultrapassarem os 40 milhões gastos, a que se junta Acuña que fará disparar este valor para cima dos 50 milhões!
O resultado final é positivo, 30 milhões de euros, mas se descontarmos o valor das receitas da UEFA, esse valor reduz-se para 12 e contando que 30 são provenientes de receitas de TV de anos futuros, o que fará com que daqui a uns anos já não haja receitas para antecipar, o cenário deve ser preocupante para os adeptos dos leões que certamente não quererão passar por outro risco de falência como há uns anos. A dívida foi negociada e transformada em VMOC’s mas daqui a 9 anos terão de ser adquiridas ou o clube perderá a posição maioritária. Ora coincidindo isso com a altura em que as receitas de TV já foram todas antecipadas (se mantiverem este ritmo), a questão será qual o futuro dos leões. Ou os sócios deixam de ter maioria ou o final pode ser negro…
P.S.: De referir que esta criatividade não surpreende quando o clube anuncia a venda de Adrien por valores que podem atingir os 29,5M€ mas só 20 são garantidos, 5 são por objetivos e 4,5 referem-se ao facto do jogador ter abdicado de verbas a receber com uma eventual venda. Ou seja, deixou de haver um hipotético custo… mas esse dinheiro jamais é lucro ou receita pois nunca entrará nos cofres.