Luís Cirilo Carvalho, adepto do Vitória Sport Club, deixa a sua versão dos factos no caso Marega:
“Em volta do sucedido no passado domingo no estádio D.Afonso Henrqiues durante o jogo entre Vitória e Porto, relativamente ao atleta Marega, anda demasisada poeira no ar e demasiado ruído de fundo para resistir a escrever algumas linhas sobre um assunto que na sua relativa insignificância parece ter-se tornado uma prioridade do país e, pasme-se, das suas principais figuras políticas.
Ao sabor de um populismo, uma futilidade e uma irresponsabilidade que merecerá, certamente, análise noutras instâncias que não as desportivas.
Vamos então ao “Caso Marega”.
Não começa no passado domingo, como alguns poderão pensar, mas sim em 2014/2015 quando ele depois de uma carreira sem qualquer relevo e passada em clubes de divisões inferiores chega à Madeira para representar o Marítimo, onde a par de começar a revelar talento para o futebol revela também uma preocupante queda para a indisciplina e o descontrolo emocional que viriam a valer-lhe multas e suspensões disciplinares pelo clube.
Ainda assim na primeira época faz dezasseis jogos e oito golos e desperta atenções.
Na primeira metade da época seguinte continua na Madeira, onde faz sete golos em dezoito jogos, e em Janeiro de 2016 é transferido para o FC Porto onde em 13 jogos faz apenas um golo e se transforma em alvo preferido do anedotário azul e branco face às suas exibições e aos golos falhados, sendo nas redes sociais e no estádio alvo de frequentes insultos e chacota.
São factos.
No final de época, completamente desvalorizado, sem lugar no plantel portista e sem ter quem lhe pegasse consegue ainda assim ser emprestado ao Vitória perante a peplexidade dos vitorianos que não entendiam o interesse no jogador.
Pese embora isso a partir do momento em que vestiu a camisola vitoriana (a branca ou a preta) foi recebido, apoiado e acarinhado como qualquer outro jogador de qualquer raça ou nacionalidade que vem para Guimarães e recebeu aplausos quando os mereceu e alguma reprovação quando as suas exibições não agradavam aos adeptos exactamente como qualquer outro jogador do clube.
Um dia, frente ao Nacional, com o jogo parado e sem qualquer motivo em mais uma exibição de descontrolo emocional, não arranjou melhor para fazer do que dar um estalo num adversário, ser expulso e deixar a equipa reduzida a dez unidades ainda no decorrer da primeira parte.
Não contente com isso, ao sair do relvado insultou por palavras e gestos os adeptos do Vitória (os tais que agora diz sempre ter respeitado, mas é uma das muitas mentiras de que adiante falaremos) e ausentou-se do estádio partindo tudo o que lhe apareceu à frente no balneário da equipa em mais uma manifestação de puro descontrolo.
Mesmo com esses comportamentos, a SAD do Vitória resolveu não deixar cair o jogador (o que poderia ter significado o fim da sua carreira) e procurou reintegrá-lo no grupo com compreensão pela sua forma de estar ao mesmo tempo que os adeptos também lhe perdoaram o comportamento e continuaram a apoiá-lo como se nada se tivesse passado.
Mais, até para sermos rigorosos.
Marega acabou por fazer uma excelente época, marcando 14 golos em 31 jogos, tornando-se um idolo dos adeptos que com ele festejavam as vitórias e choravam as derrotas como na final de Taça frente ao Benfica em que o jogador quando descia da tribuna após receber a medalha e finalista quase se envolveu em confrontos com um espectador por força de uma “boca” que ouviu e de que não gostou.
Os colegas evitaram que algo acontecesse, mas o descontrolo estava, uma vez mais, lá.
No final da época regressou ao FC Porto, reabilitado e com o prestígio em alta, fazendo questão de agradecer publicamente ao Vitória e aos vitorianos tudo que tinham feito por ele e pela sua carreira.
Nos dois anos seguintes sempre que Vitória e FC Porto se encontravam Marega era aplaudido pelos adeptos vitorianos (como na época passada em que saiu lesionado no jogo em Guimarães e foi aplaudido de pé) e em contrapartida nos vários golos que marcou ao Vitória teve sempre o gesto de não os festejar como forma de mostrar o respeito a um clube ao qual assumia tanto dever.
Como já no presente campeonato tinha acontecido no jogo da primeira volta em que Marega fez dois golos e não festejou nenhum deles.
E chegamos a domingo passado.
No qual começo por deixar uma nota pessoal.
Sendo sócio com lugar anual na bancada nascente, precisamente aquela em frente à qual tudo se desenrolou, cheguei ao estádio ainda as equipas não tinham subido para o aquecimento, pelo que tive oportunidade de presenciar tudo quanto se passou. Vi e ouvi. Não me contaram.
E o que vi foi o FCP fazer parte do aquecimento perto da bancada nascente e alguns adeptos vitorianos mais próximos do tereno de jogo (quatro ou cinco) aproveitarem para mandarem algumas “bocas “aos jogadores adversários como acontece em todos os estádios de todo o mundo, especialmente com os guarda-redes, sem que isso acarrete problemas.
Há videos, gravados com telemóveis, dessas “bocas” que, não sendo obviamente simpáticas, também não têm qualquer cariz racista, nem nada que se pareça, pelo que a alegação de Marega e dos responsáveis do FC Porto sobre o assunto são mentira. Uma das várias.
Aliás, se isso tivesse acontecido – os insultos racistas – seria incompreensível que não os tivessem comunicado de imediato ao árbitro e aos delegados da Liga.
No decorrer do jogo, tudo se processou com absoluta normalidade, sem insultos de qualquer espécie (outra mentira de Marega & Cia) especialmente em relação a Marega que vinha produzindo uma exibição tão discreta que quase passava despercebido.
Na única vez em que se mostrou foi quando isolado atirou ao lado da baliza de Douglas, gerando algumas manifestações de descontentamento nos adeptos do… FC Porto, que não se conformavam com semelhante falhanço.
A normalidade foi de tal ordem que ao intervalo ninguém do FC Porto denunciou junto de árbitro e delegados da Liga quaquer tipo de anormalidade.
E chegamos ao fatídico minuto 60.
Em que Marega faz golo e perante o espanto de todo o estádio em vez de festejar junto dos adeptos portistas ali por trás da baliza resolve correr umas dezenas de metros para ir provocar por gestos e palavras os adeptos vitorianos…
…Que reagiram (que adeptos de que clube não o fariam?) de forma indignada com vaias, insultos e arremesso de cadeiras ao jogador não por ele ser negro, mas pelas atitudes que tomou perante adeptos que, ainda por cima, sempre o tinham acarinhado. Se o golo tivesse sido de Otávio, que também passou pelo Vitória (ou de Soares se tivesse jogado e também ele ex-vitoriano), a reacção teria sido exactamente a mesma porque o que estava em causa era a atitude e não a cor da pele.
Depois foi o que se sabe, nos dez minutos em que a indignação de Marega lhe permitiu continuar em campo. Cada vez que tocava na bola era vaiado, insultado num coro imenso de “ Ó Marega vai para o c….” mas sem qualquer cântico racista ao contrário das mentiras propaladas pelo jogador e por alguns responsáveis do FCP.
Não houve um único cântico racista no estádio D. Afonso Henriques!
Houve, isso sim, a atitude lamentável de alguns adeptos vitorianos (dezenas? centenas? não sei quantificar nem me parece que isso alguma vez seja possível) que por breves segundos produziram alguns urros a imitar macacos o que pode ser considerado como uma atitude imbuída de racismo, mas nada mais do que isso.
Foram poucos e foram breves mas sendo identificados devem ser sancionados face à legislação existente.
Depois foi a rábula das cenas de Marega a querer sair do relvado, num descontrolo emocional (mais um) completamente despropositado mas que ainda lhe deixou tempo e disposição para provocar e insultar os adeptos vitorianos antes de desaparecer no túnel.
O que aconteceu em Guimarães foi muito desagradável não vale a pena esconder o facto.
Tem um responsável principal, o jogador profissional de futebol Moussa Marega, e alguns responsáveis secundários, alguns poucos adeptos do Vitória que contestaram o jogador com os tais urros, mas foi um episódio que sendo melhor não ter acontecido não merece de forma alguma o impacto e a divulgação nacional e internacional que está a ter por força do sensacionalismo da imprensa, do oportunismo de forças políticas e de figuras do Estado que cavalgam o populismo do anti-racismo sem sequer perceberem que não sabem do que estão a falar neste caso específico.
Há tanta gente no país a falar de cátedra sobre o que não viu, com base no que lhe contaram, no que leram aqui ou ali, no que ouviram dizer que deviam ter vergonha de ajudarem a enlamear Guimarães e o Vitória com base numa inventona que pode deixar marcas extremamente negativas na imagem de uma comunidade e de um clube.
Guimarães não é racista.
O Vitória não é um clube racista nem de racistas.
Tem mais de sessenta anos de perfeita integração de atletas estrangeiros de várias nacionalidades e raças (desde os primeiros brasileiros que vieram para Portugal pela porta do Vitória na década de 50 do século passado) muitos dos quais escolheram Gumarães para residir depois de terminarem as suas carreiras.
Tem como alguns dos seus maiores ídolos jogadores de raça negra como Ndinga (dez anos no clube, recordista de jogos com a camisola vitoriana, capitão de equipa durante vários anos) , Neno, Jeremias, Rui Rodrigues, Joaquim Jorge, Almiro, Desmarets, Soudani, Ricardo Pereira, Cafú entre tantos outros que poderia citar.
Tem nos seus valores enquanto clube a “assumpção das cores preta e branca como alusão à igualdade e à admissão de todos sem distinção de raças”.
Esta é a minha verdade sobre o que se passou no domingo no estádio D. Afonso Henriques.
A verdade de quem, ao menos, viu o jogo e assistiu a tudo que lá se passou.
Não é uma verdade absoluta, como é evidente, mas o que não é de certeza é uma mentira absoluta como tantas que por aí andam sem qualquer respeito por Gumarães, pelo Vitória, pelos vimaranenses e pelos vitorianos e que estão a lançar anátemas e a criar injustiças a que urge por cobro tão depressa quanto possível.
Porque já há quem esteja a sofrer com esta situação apenas e só por ser de Guimarães e do Vitória.
O combate ao racismo é um combate civilizacional do qual nenhum cidadão, nenhuma colectividade, nenhuma instituição estão dispensados porque significa lutar por valores humanos que não são sequer discutíveis.
Mas o combate à injustiça que o racismo é não pode ser feito com outras injustiças como a de criar bodes expiatórios para os males globais como alguns estão agora a quererem fazer com Guimarães e com o Vitória com base num incidente ocorrido num estádio e que em nada justifica isso.”